#EuSobrevivi - Papo com a professora Danielle Maciel

em 27/05/2019



Não só com o intuito de conhecer melhor os professores de nossa faculdade, mas de saber mais sobre os “perrengues” enfrentados por quem já passou pelo ensino superior, inauguramos a seção #EuSobrevivi!

O papo de estreia foi realizado com ela, que tem 34 anos de idade, cursou letras com habilitação em português-italiano na Universidade de São Paulo (USP), fez mestrado e doutorado em comunicação e cultura na Escola de Comunicação e Artes (ECA-USP) e dá aulas de lingua portuguesa aqui na FPAC. Estamos falando da professora Danielle Maciel!

Confira abaixo um pouco de sua trajetória de descobertas e dificuldades durante a graduação.



Conte qual curso optou em realizar e o que te motivou a escolhê-lo?

Sempre gostei muito de escrever e, desde criança, dizia que queria fazer jornalismo. Fiz o jornal da escola durante vários anos, mas quando comecei a estudar literatura me apaixonei. No ano em que estava estudando para o vestibular, precisava ler uma série de livros de literatura para conseguir fazer a prova da Universidade de São Paulo (USP) e foi lendo esses livros que percebi o quanto aprendi e o quanto me ajudou a entender muitas coisas. Assim, tomei a decisão de que queria estudar literatura. No fundo ainda pensava em trabalhar como jornalista, mas meu plano era fazer uma faculdade de letras, pois, assim, aprenderia melhor a escrever e ganharia um repertório mais amplo para pensar e escrever sobre diversos assuntos. Minha escolha se baseou mais naquilo que me dava prazer do que num cálculo do que me seria melhor profissionalmente. Mas valeu muito a pena. De fato, ter feito o que eu gosto me abriu novos horizontes e me deixava mais feliz e, não necessariamente, precisava desistir do trabalho com a escrita. Afinal, para escrever melhor é preciso ler e refletir sobre o mundo.


Você sofreu alguma pressão? (Por parte de familiares).

Alguém que não tem uma situação financeira favorável, escolher fazer um curso de letras, certamente, não passa nenhuma segurança de melhora de vida para a família. Mas minha mãe nunca me proibiu de fazer nada porque sempre me virei para conseguir o que queria. Ela achava que eu deveria trabalhar primeiro, dizia que faculdade era coisa pra rico, mas como passei numa universidade pública, não tinha muito o que reclamar. Claro que mesmo não pagando mensalidade, tive que trabalhar para sustentar essa escolha, mas ela nunca me pressionou a desistir disso.


Quais foram os amores e desamores do seu curso?

Mesmo escolhendo o curso de que mais gostamos, sempre nos deparamos com algumas matérias que não morremos de amores e, muitas vezes, é bem árduo lidar com algo que não gostamos de fazer e encontrar sentido nisso. Tive aulas que não me animavam muito, que não queria fazer, mas com algum esforço, ao longo do semestre, ia percebendo que, por mais que não me interessasse diretamente por aquilo, era algo a mais que estava aprendendo e que, provavelmente, poderia me ajudar em outras situações. Acho que ter a consciência de que o processo de formação depende de bastante empenho e não é o tempo todo só prazer e inspiração, ajuda a ter força para vencer os desafios e desafetos de qualquer curso e profissão.


Qual foi a sua maior dificuldade nesses anos de faculdade?


As dificuldades nessa etapa da vida são inúmeras. Escolhi um curso que me exigia bastante, muitas leituras, muitos trabalhos, aprender uma nova língua (fiz letras português-italiano) ou seja, muito muito esforço. A primeira dificuldade foi compreender bem os conteúdos, pois havia estudado a vida toda em escola pública e, por mais que tivesse conseguido passar na USP, tinha uma defasagem de base, muitas coisas que não havia aprendido na escola e que eram necessárias para acompanhar o curso. Tive que correr atrás, montar grupo de estudos, pedir ajuda dos colegas que entendiam melhor alguns assuntos etc. Além disso, morava longe e na minha casa não havia um ambiente propício ao estudo: a TV sempre ligada, casa pequena, não tinha um quarto só meu, computador velho, sem impressora, pouco dinheiro para comprar os livros (e até mesmo para a condução). Enfim, tive que ir encontrando maneiras de driblar os obstáculos: lia no ônibus, pois demorava muito para chegar até a faculdade; vivia pegando livros emprestados na biblioteca; conseguia materiais com alunos dos outros anos etc. E para me manter na faculdade, mesmo sendo pública, tive que arrumar um emprego para arcar com a minha escolha. Aí a dificuldade era trabalhar e estudar. Como se não bastasse, quando faltava muito pouco para me formar, com 23 anos, fiquei grávida. Tirei licença, mas depois, com ajuda da família, assistia às aulas, mas podia sair para amamentar, negociava os prazos etc. No final, minha filha me motivou ainda mais a me formar – afinal alguém dependeria de mim agora. Não só consegui me formar, como também escrevi um projeto de mestrado em meio às provas finais da graduação e entrei no mestrado direto com bolsa no ano seguinte. Foram cinco anos de muito cansaço e esforço – mas, sem dúvida, anos maravilhosos, de muitas descobertas, diversão e amizades para a vida toda.


Você chegou a querer desistir alguma vez?

Quem nunca?! No auge de provas, trabalhos, prazos ultrapassados, dificuldades financeiras, de entendimento etc., quem não pensa em desistir. Mas eu não podia, foi o que escolhi para a minha vida, sabia que no final valeria a pena. Quando entrei na faculdade, ninguém da minha família havia cursado o ensino superior, muitos até tinham desistido do ensino básico e eu sempre gostei de estudar, de entender melhor o mundo. Sabia que o que me restava para mudar minha condição minimamente era estudar, ter um curso superior. Claro que não me deixaria rica, até porque ninguém fica rico trabalhando; mas queria ter acesso e conhecer melhor mais coisas do mundo e, consequentemente, viver um pouco melhor. O desespero passa, é normal pensar em desistir, mas a possibilidade de mudar de vida pode não aparecer novamente.


Na época da faculdade qual era o seu maior sonho? Você o realizou?

Acho que meu sonho na faculdade era desvendar um mundo que não conhecia, pois quando se é pobre, ficamos de fora de muitas coisas. Eu, por exemplo, queria estudar literatura, mas quando era criança não tinha nenhum livro em casa. Não fosse uma professora de sala de leitura da escola deixar eu levar para casa, toda semana, livros, revistas e jornais, não teria nem percebido que queria viver muitas aventuras ainda. Estudando e trabalhando fui conseguindo não só ter acesso aos livros que pude comprar com meu próprio dinheiro, como tive acesso a pessoas e lugares que jamais teria se não tivesse enfrentado tudo isso. Mas acho que esses são objetivos, metas, alcançáveis no cotidiano da vida, mas sonho é muito mais do que isso.
Hoje em dia a palavra sonho foi reduzida a mero poder de consumo ou simples realização profissional. Mesmo a frase “o maior sonho na época da faculdade” remete à ideia de que o quê queríamos quando jovens, os “ideais de juventude”, não são os mesmos ao nos tornarmos adultos. Mas tem um texto que gosto muitíssimo, do Walter Benjamin, chamado “Experiência” (escrito em 1913, quando ele tinha apenas 18 anos), que diz que o sonho é aquilo que ainda não existe na nossa vida e precisamos inventar formas de conquistar. Ele ensina que quando nos tornarmos adultos, não devemos esquecer nossos “sonhos de juventude”, pois eles são a voz, o chamado feito a todos os homens para não aceitar a vida tal como ela é – é a convocação para construirmos, coletivamente, um outro mundo. Meu sonho, portanto, ainda está por ser realizado!



Entrevistadora: Mariana Furtado
Entrevistada: Danielle Maciel

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